Personagens, lugares, descrições, quasi tudo é de aqui em volta. O escritor apenas lhe mudou os nomes.
É curioso o elenco das principais figuras deste romance. Existiram todas.
A Joaquina de Vilalva era proprietária da casa de Passelada. Foi mãe de D. Ana Correia, que o destino fez companheira do filho do romancista.
Seu marido, José Correia, da mesma casa é irmão do estudante António Correia, que no romance tem o nome de José Dias de Vilalva. José Dias, quando vinha a férias passava o seu tempo a conversar com Marta, a brasileira de Prazins, chamava-se Leonor da casa do Pregal, que fica na margem esquerda do riacho Pele.
In “Camilo em San-Miguel de Seide” de Veloso de Araújo, 1925.
Maria Moisés – (nas bermas do rio, junto da Azenha)
Neste cantinho escondido entre colinas verdejantes do Minho pitoresco, para Camilo não foi apenas o calvário das suas dores imensas. Foi também um manancial ubertoso de inspirações, de modelos valiosos e desconhecidos, que aproveitou para descrições e personagens de muitos dos seus romances e novelas.
Entre outras novelas destacamos a Maria Moisés, embora as cenas se passem distantes, os nomes, as descrições, os detalhes tirou-os o escritor de modelos muito próximos.
Na aldeia era estimada a Maria Moisés pelas suas qualidades de trabalho e honestidade. Sabiam-na enjeitada, mas as vicissitudes da sua vida só ela as conhecia e só a raros as contava.
O romancista deu o nome desta mulher à mais simpática personagem da sua novela. Os cenários são as margens do rio Pele.
A acção passa-se, porém, no Tâmega. Mas foi o riacho de Landim, com as suas margens, as suas agrinhas, os seus lugarejos, os seus açudes, e a sua azenha, que emprestou as tintas para os quadros de paisagem que enriquecem este trabalho.
In “Maria Moisés” Novelas do Minho de C.C.B.
Os extractos dos textos das obras de Camilo, aqui colocados e não copiados na íntegra, fizeram parte das dramatizações e foram levantados e recolhidos pelo Reinaldo, a quem agradeço a amizade e a dispensa dos mesmos.
Chegou-me ainda às mãos, mais um dos textos de Camilo, declamado no Mosteiro de Landim pelo Prof. António Sousa e alumiado pelo Dr. José Manuel Oliveira, do Centro de Estudos Camilianos.
A MURRAÇA
Canto 1º
Os cónegos, e os socos bem puxados
Que da Sé episcopal na sacristia,
Em queixos nunca dantes soqueados
Ferveram com rev’renda valentia:
E aqueles que deverem ser cantados
Quase filhos de sagaz patifaria,
Cantando, espalharei por todo o Porto
Qual se espalha o fedor de cão já morto.
(…)
Ó soco mais cruel que o próprio dardo,
Que estalaste nos queixos duro e horrendo,
Nos sagrados queixinhos do Bernardo,
E tangido por mão doutro reverendo!
Ah! Soco imortal, soco bem dado!
Salve, soco grande, audaz, estupendo!
Um reinado vais ter d’inteira glória,
Um soco ficarás sendo da história!
(…)
Estava a luz apagada, que o morcego
Ao roçar-lhe co’a asa a apagara;
Tornou o padre a si, achou-se cego
E diz a vizinhança que berrara:
A’ del-rei! Venha luz! ’stá como um prego!
Não vejo… quem me acode… ai, a minha cara!
Quem me tira das costas este fardo!
Quem socorre o mesquinho João Bernardo!
(…)
– Ai, mesquinho de mim! Que negro agouro
– É esse que este cão aqui me envia!
– Terei de ver perdido o meu tesouro,
– Tirar-me-ão os Cabrais a conezia?
– Se assim é, ah cruéis! Que dou um estouro!
– Assim me pagareis a serventia?!
– Ah, não creio, não creio seja tanto,
– E, se é, vale-me tu, Ambrósio santo!
(…)
Canto 3º
Stavas, padre João, pacato e quedo
Da prebenda comendo o pingue fruito,
C’os queixos inda virgens do soquedo,
O que o Passos não deixa durar muito.
Na pandiga folgada sempre ledo
C’o estômago de vinho nunca enxuito,
Mandando aos jornais artigozinhos,
Contra o Passos, que come a dous carrinhos.
(…)
Muito obrigado, ó Musa, vai-te embora,
O meu empenho fiz – cantar os murros.
Tu comigo serás, se em outra hora
Necessário me for cantar tais burros…
Pelo pouco que disse aqui agora
Se eu nos padres sentir esturros,
Ó Musa, tu virás, logo que eu possa,
E vós, padres, fugi, que eu dou-vos coça.
Camilo Castelo Branco
(Obrigada, António Sousa!)