A maior acusação ao romantismo
não se fez ainda: é a de que ele
representa a verdade interior
da natureza humana.
Bernardo Soares, O Livro do Desassossego
(Pequenos excertos do livro: Por uma Educação Romântica)
O brinquedo e a arte são as únicas actividades permitidas no Paraíso.
O poeta, o artista, a criança: esses são os seres paradisíacos.
No Paraíso não existe trabalho. Existe apenas brinquedo e arte.
As crianças já nascem sabendo. Quando elas, através da educação, são transformadas em seres úteis, o Paraíso lhes é roubado: são obrigadas a esquecer do brinquedo e a viver no mundo do trabalho.
Recuperar a sapientia é lembrar-se da filosofia sem palavras que morava no corpo da criança.
Nietzsche escrevia a fim de preparar o caminho para a volta da criança. O seu homem-transbordante é uma criança. Num homem real ele dizia , se esconde uma criança… que deseja brincar… A maturidade de um homem é encontrar de novo a seriedade que se tinha quando criança, brincando. (Além do bem e do mal).
"Gosto de me assentar aqui onde as crianças brincam, ao lado da parede em ruínas, entre os espinhos e as papoulas vermelhas. Para as crianças eu sou ainda um sábio, e também para os espinhos e as papoulas vermelhas." (Nietzche)
Nos seis primeiros dias da Criação Deus criou a Feira das Utilidades. Usou o trabalho como actividade penúltima. No sábado, Deus criou a Feira das Fruições, o brinquedo, como actividade última. Quando a obra da criação terminou, o Deus trabalhador se transformou no Deus brincante, criança.
A ideia de separar as coisas em duas classes, as que podem ser usadas e as que devem ser fruidas, é de Santo Agostinho. Chamar cada uma dessas ordens de feira é ideia minha. Essa separação ajudou-me a pôr ordem nos meus objectos.
Na Feira das Utilidades se ensinam saberes. Saber é poder.
Na Feira das Fruições se educam os sabores. A educação dos sabores não tem por objectivo conhecer e dominar o mundo.
É isso que eu entendo por uma educação romântica: aquela que faz da Feira das Utilidades uma ferramenta da Feira da Fruição, que subordina
Os saberes aos sabores,
Os poderes aos prazeres e
Os adultos às crianças…
Por uma Educação Romântica – texto inédito de Rubem Alves
- Brevíssimos Exercícios de Imortalidade